Leia um trecho do livro STAR WARS: Battlefront

O livro é baseado no game homônimo e se passa logo após a destruição da primeira Estrela da Morte. O combate entre a Aliança Rebelde e o Imperiais se intensifica cada vez mais. Quando uma desvantagem força um recuo dos rebeldes, a sua força de frente, conhecida como Companhia do Crepúsculo, retrocede relutantemente. Mas a descoberta de um improvável aliado, capaz de mudar essa situação, pode dar aos oponentes do Império um novo trunfo estratégico.

Leia abaixo um trecho do livro:


Parte 1 — Retirada

Capítulo 1
Planeta Crucival
Dia 47 da insurreição dos Malkhanis
13 anos após as Guerras Clônicas

O nome dele era Donin, e embora esse não fosse seu nome de nascimento, ele possuía tatuagens em sua pele para provar que era. As espirais e ondaspretas, recentemente aplicadas pelos mestres do clã por ocasião de sua iniciação, adornavam suas escápulas pardas debaixo da jaqueta de pano áspero. As tatuagens eram um dos quatro presentes que ele recebera após se juntar ao exército do senhor de guerra Malkhan: um novo nome, as marcas, uma faca serrilhada e uma arma de raios de partículas de extramundo.

Os mestres haviam lhe assegurado que, dos quatro presentes, a arma de raios era a mais preciosa. Seu cabo era envolto em couro puído, e o cano, marcado e encrustado de cinzas. Tinha energia suficiente apenas para disparar doze raios causticantes, e o haviam alertado para não desperdiçar um único tiro nem deixar a arma cair no chão se ela começasse a queimar as mãos. Essas seriam atitudes de uma criança, não de um membro pleno do clã.

Donin se ajoelhou diante de seus novos irmãos e irmãs — ele ainda desconhecia seus nomes –, atrás de um baixo muro de pedras que se estendia pelo alto da colina. Sua compleição física miúda, magra pela jovialidade e pela fome, permitia que se escondesse por completo atrás da barricada; por esse motivo ele fora designado para a frente de batalha. Assim como sua tatuagem e sua arma, aquela posição era um privilégio. Ele fez questão de se lembrar disso quando começou a suar e tremer.

Olhou de lado para seus companheiros e procurou sinais de que eles também estivessem com medo da batalha que estava por vir. Quase todos eram maiores e mais velhos, portando armas de extramundo que pareciam tão marcadas e enferrujadas quanto a dele. Eles limpavam suas facas e murmuravam uns com os outros. Donin disse a si mesmo que morreria por eles, assim como eles morreriam por ele, em nome do clã e de seu comandante. E se eles vencessem naquele dia…

Se eu sobreviver à batalha, Donin corrigiu-se. A vitória era inevitável para o senhor de guerra Malkhan. A única coisa que estava em jogo era o destino do próprio Donin.

… então eles celebrariam. Ele tinha ouvido histórias sobre banquetes, fontes de água limpa e espetinhos de carne de bantha, sais e temperos de outros continentes, de outros planetas. Ele iria se empanturrar, pensou, e dormir em segurança no acampamento do comandante. Já ouvira as celebrações do clã enquanto se escondia tremendo na casa de seu pai, e foram aqueles gritos de alegria que, finalmente, o levaram até os mestres.

Seu pai havia lhe dito que os Malkhanis não eram diferentes de qualquer outra facção de Crucival, mas ele estava errado. Ninguém mais tinha tanta comida ou se alegrava tanto com a vitória. Ninguém era tão forte quanto Malkhan, ou tivera tamanha sabedoria para obter uma quantidade tão grande de tecnologias de extramundo. O novo clã de Donin construiria um planeta melhor.

Um uivo soou a distância em meio à poeira. Começou suave e se tornou rapidamente mais intenso. Donin travou os ombros, firmou as pernas ainda agachado e apoiou sua arma de raios sobre o muro num só movimento, como lhe fora ensinado. Não viu nenhum alvo. A voz de um homem riu atrás dele, e uma mão grande segurou seu cabelo escuro, puxando sua cabeça para trás.

– A batalha ainda não começou, garoto. É só uma nave se dirigindo à torre. Vai matar a todos nós se atirar.

Olhando para frente novamente, Donin viu a silhueta da esfera e das barras de um flier de extramundo contra as nuvens, bramindo na direção do pináculo de aço até sumir de vista. Donin ajoelhou-se de novo, e percebeu que a mão em sua cabeça não estava mais lá. Ele tinha dado uma de bobo. Silenciosamente, torceu para que isso não se repetisse.

– Não havia muitas delas nas ravinas — murmurou ele. Era uma explicação, não uma justificativa.

O homem atrás dele grunhiu:

– Você verá muitas delas por aqui. Estou falando sério que é para você não atirar. Não chegue perto da torre também, não importa o que aconteça. Os extramundanos de branco podem não sair muito, mas tente incomodá-los só um pouco…

– Eu sei — cortou Donin. Ele se virou e olhou para cima, na direção do homem, que devia ter quatro vezes sua idade, com olhos leitosos e pele esburacada. Mais velho que o próprio comandante. Mas isso não significava que ele fazia parte do clã há muito mais tempo que Donin.

– Sei tudo sobre eles. Os soldados deles são clones. São feitos em fornadas.

O homem grunhiu novamente, mostrando seus dentes rachados e amarelados em algo que parecia ser um sorriso.

– Não me diga! Quem lhe contou isso?

– Meu pai — respondeu Donin. — Ele lutava contra eles. — Donin apontou com a cabeça para o céu, na direção das estrelas escondidas atrás das nuvens amarelo-acinzentadas.

– Houve uma guerra.

– Bem, você não está lutando contra clones — disse o homem. — Você está lutando contra os vagabundos que tomaram a pedreira na semana passada e querem nosso território. Acha isso empolgante o suficiente?

Donin fechou a cara e o encarou.

– Estou aqui para servir ao clã — disse, girando de frente para o muro outra vez. Segurando sua arma de raios com uma das mãos, ele usou a outra para puxar para baixo o colarinho de sua jaqueta, exibindo suas tatuagens para o homem logo atrás. Donin ouviu o homem rindo e sentiu um tapa nas costas que o projetou para a frente.

– Imagino que esteja — disse o homem. — Apenas não tenha muita esperança. Lute uma batalha por vez.

Donin concordou com a cabeça e ergueu os ombros, retornando o colarinho da jaqueta para cima e segurando sua arma com mais força. Ele não sabia ao certo o que o homem queria dizer. O clã era a esperança de todos ali. Não demorou muito e alguém gritou que o inimigo se aproximava. A linha de frente se apoiou contra o muro e espiou por cima dele. Donin viu manchas na grama quebradiça e amarela no vale abaixo da colina, e, logo, as manchas assumiram a forma de dúzias de homens e mulheres. A maioria carregava lanças acima de suas cabeças, como bandeiras. Apenas alguns poucos portavam armas de extramundo — mas tais armas eram do tamanho de galhos de árvore, acomodadas em ambos os braços de quem as carregava.

A primeira dessas armas foi acionada com gritos reverberantes. Raios de fogo verde foram lançados por cima do muro. O exército do comandante se tornou uma massa de gritos que Donin não compreendia. Ele firmou sua arma de raios e se lembrou de não desperdiçar nenhum tiro.

– Louvado seja o comandante! — alguém berrou, e o berro contagiou a todos. Uma onda de calor tomou conta do garoto e ele sorriu, somando sua voz ao grito de guerra. Agora seu nome era Donin. Ele defendia seu novo lar. Esses eram seus novos irmãos e irmãs, seu caminho era justo e ele faria parte daquele clã para sempre.

Capítulo 2
Planeta Haidoralprime
Dia 84 da retirada da Orla Média
9 anos mais tarde

A chuva quente caía torrencial do céu brilhante de Haidoral Prime. Cheirava a vinagre, grudava nas curvas mofadas dos prédios industriais e nas ruas cobertas de lixo, e cobria a pele como uma leve camada de suor pungente. Após trinta horas-padrão, a chuva já deixava de ser novidade para os soldados da Companhia do Crepúsculo.

Três sujeitos se arrastavam por uma avenida deserta, sob um toldo rasgado e gotejante. O homem magro e compacto que liderava o grupo estava vestido com um uniforme militar cinza desgastado e uma confusão de aparatos militares grosseiramente estampados com o símbolo da Aliança Rebelde.

O cabelo negro embaraçado caía por trás do visor do capacete, fazendo a água da chuva escorrer por seu rosto bronzeado. Seu nome era Hazram Namir, embora atendesse por outros também. Silenciosamente, ele praguejava contra a guerra urbana, Haidoral Prime e quaisquer leis da ciência atmosférica que faziam chover. A vontade de dormir passou por sua mente, mas se esborrachou em uma parede de teimosia. Ele gesticulou com um rifle mais grosso que seu braço na direção da interseção mais próxima, e então acelerou o passo. Uma rápida série de tiros de raios soou em algum lugar ao longe, seguida por gritos e silêncio.

O sujeito logo atrás de Namir — um homem alto com cabelos grisalhos e um rosto enrugado por uma cicatriz — saltou para o outro lado da rua para assumir. A chuva quente caía torrencial do céu brilhante de Haidoral Prime. Cheirava a vinagre, grudava nas curvas mofadas dos prédios industriais e nas ruas cobertas de lixo, e cobria a pele como uma leve camada de suor pungente. Após trinta horas-padrão, a chuva já deixava de ser novidade para os soldados da Companhia do Crepúsculo.

Três sujeitos se arrastavam por uma avenida deserta, sob um toldo rasgado e gotejante. O homem magro e compacto que liderava o grupo estava vestido com um uniforme militar cinza desgastado e uma confusão de aparatos militares grosseiramente estampados com o símbolo da Aliança Rebelde. O cabelo negro embaraçado caía por trás do visor do capacete, fazendo a água

da chuva escorrer por seu rosto bronzeado. Seu nome era Hazram Namir, embora atendesse por outros também. Silenciosamente, ele praguejava contra a guerra urbana, Haidoral Prime e quaisquer leis da ciência atmosférica que faziam chover. A vontade de dormir passou por sua mente, mas se esborrachou em uma parede de teimosia. Ele gesticulou com um rifle mais grosso que seu braço na direção da interseção. mais próxima, e então acelerou o passo.Uma rápida série de tiros de raios soou em algum lugar ao longe, seguida por gritos e silêncio.

O sujeito logo atrás de Namir — um homem alto com cabelos grisalhos e um rosto enrugado por uma cicatriz — saltou para o outro lado da rua para assumir uma posição oposta. O terceiro, um grandalhão corpulento, entrincheirou-se em uma lona, como se ela fosse um casaco com capuz, e permaneceu atrás dela. O homem da cicatriz fez um sinal com a mão. Namir virou a esquina na rua transversal. Uns 12 metros à frente, corpos humanos encharcados encontravam-se estirados na rua. Eles usavam capas de chuva maltrapilhas, leves túnicas brilhantes e sandálias… e não portavam armas. Eram não combatentes.

“Que pena”, pensou Namir, “mas não é um mau sinal.”

O Império não atiraria em civis se tudo estivesse sob controle.

– Charmoso, dê uma olhada. — Namir indicou os corpos. O homem da cicatriz caminhou a passos largos enquanto Namir manuseava seu comunicador de curta distância. — Setor seguro — disse.

– Quais as diretrizes agora?

A resposta veio em meio a zunidos de estática através do fone de ouvido de Namir — algo a ver com operações de limpeza. Namir sentia falta de ter um especialista em comunicações na equipe. O último técnico de comunicações da Companhia do Crepúsculo havia sido uma misantropa bêbada, mas que fazia milagres com um transmissor e escrevia poesias obscenas com Namir nas noites entediantes. Ela e seu droide estúpido morreram no bombardeio em Asyrphus.

– Repita, por favor — tentou Namir. — Estamos prontos para carregar?

Desta vez, a resposta veio claramente.

– Equipes de apoio estão coletando comida e equipamentos — disse a voz.

– Se encontrar alguns suprimentos médicos, seria ótimo que os trouxesse para a Trovoada. Caso contrário, volte para o ponto de encontro. Restam apenas algumas horas para que os reforços apareçam.

– Peça que a equipe de apoio traga itens de higiene desta vez — disse Namir.

– Quem disser que são artigos de luxo precisa dar uma cheirada nas barracas.

Ouviu-se um forte barulho de estática que talvez fosse uma gargalhada.

– Direi a eles. Cuide-se!

Charmoso estava terminando de analisar os corpos, verificando se eles tinham batimentos cardíacos e identificação. Ele balançou a cabeça, em silêncio, ficando de pé.

– Que atrocidade. — O sujeito imenso envolto em lona finalmente se aproximou. Sua voz era grave e reverberante. Duas mãos carnudas de quatro dedos mantinham a lona presa a seus ombros, enquanto um segundo par de mãos carregava relaxadamente um imenso canhão de raios na altura da cintura.

– Como alguém feito de carne é capaz de fazer algo assim?

Charmoso parecia inconsolável. Namir deu de ombros e disse:

– Até onde sabemos, pode ter sido obra de droides de combate.

– Duvido muito — disse o grandalhão. — Mas, ainda assim, a responsabilidade é da governadora.Ele se ajoelhou ao lado de um dos corpos e fez questão de fechar seus olhos. Todas as suas mãos eram maiores que a cabeça do cadáver.

– Vamos, Gadren — disse Namir. — Alguém vai encontrá-los.

Gadren permaneceu ajoelhado. Charmoso abriu a boca para falar, mas fechou-a logo em seguida. Namir avaliou se deveria insistir para saírem dali, e, caso o fizesse, quão incisivo seria. Então a parede ao seu lado explodiu e ele parou de se preocupar com Gadren.

Fogo, estilhaços de metal, graxa e espuma alvejaram suas costas. Ele não conseguia ouvir nada e não fazia ideia de como tinha ido parar no meio da rua, em meio aos corpos, com uma perna dobrada para trás. Alguma coisa grudenta estava presa a seu queixo e o visor de seu capacete havia rachado. Mas ele ainda tinha bom senso o suficiente para saber que tivera muita sorte por não perder um olho.

De repente, ele estava em movimento. Seu corpo se ergueu, e mãos — as mãos de Charmoso — o arrastaram para trás, segurando-o por baixo dos ombros. Resmungou alguns xingamentos de seu planeta natal no instante em que uma tempestade de raios de partículas irradiou por entre o fogo e os escombros. Quando conseguiu empurrar Charmoso para longe e cambalear para se

manter de pé, localizou a fonte daqueles raios. Quatro stormtroopers imperiais encontravam-se na entrada de um beco, logo à frente na rua. Suas armaduras de um branco mórbido reluziam na chuva, e as viseiras pretas de seus capacetes pareciam fossos escuros como breu. As armas reluziam como óleo, de tanto serem lustradas. Era como se o batalhão tivesse saído pronto de um molde.

Namir tirou os olhos do inimigo por tempo o bastante para notar que suas costas estavam rentes a uma vitrine cheia de telas de vídeo. Ele apontou seu fuzil de raios e atirou na tal vitrine e, em seguida, embrenhou-se no meio dos escombros. Charmoso fez o mesmo. A vitrine não lhes daria cobertura por muito tempo — certamente não, se os stormtroopers disparassem outro foguete –, mas seria tempo suficiente.

– Verifique se há um caminho até o topo — gritou Namir, com a voz fina e sem força. Ele não estava conseguindo ouvir os bombardeios das armas de raios.

– Nós precisamos nos proteger!

Sem olhar para ver se Charmoso o havia obedecido, se jogou no chão quando os stormtroopers ajustaram suas miras para a loja. Ele também não conseguia ver onde Gadren estava, mas, mesmo assim, ordenou ao alienígena que se posicionasse, na esperança de que ele estivesse vivo e de que os comunicadores de curta distância ainda funcionassem. Namir alinhou o fuzil debaixo do queixo, disparou duas vezes na direção dos stormtroopers e foi recompensado com um momento de paz.

– Preciso de você no alvo, Brand — ele rosnou no comunicador. — Preciso de você aqui agora.

Se alguém respondeu, ele não ouviu.

Agora ele conseguia ver o stormtrooper que carregava o lançador de mísseis. O soldado ainda estava recarregando, o que significava que Namir tinha, no máximo, meio minuto antes que a vitrine caísse em cima dele. Ele deu mais alguns tiros rápidos e viu um dos stormtroopers cair, embora duvidasse de sua pontaria. Charmoso devia ter encontrado um local com melhor visão.

Restavam três stormtroopers. Um deles se afastou do beco, enquanto o outro ficou para dar cobertura ao atirador. Namir atirou sem parar no que estava correndo pela rua, viu-o escorregar e cair de joelhos e deu um sorriso malicioso. Havia algo de gratificante em ver um stormtrooper treinado humilhar- se daquela forma. Os companheiros de Namir já haviam estado muitas vezes na mesma situação. Movimentos rápidos chamaram novamente a atenção de Namir para o atirador.

Atrás do stormtrooper estava Gadren, com os dois pares de braços agarrando e levantando o inimigo. Membros humanos se debateram e o lançador de mísseis caiu no chão. A armadura branca parecia toda deformada nas mãos do alienígena. O capuz improvisado de Gadren caiu para trás, expondo sua cabeça: uma massa marrom, cheia de bulbos e com uma boca imensa encimada por uma crista de ossos mais escura, como se fosse um ídolo anfíbio assustador. O segundo trooper, no beco, virou o rosto para Gadren e foi prontamente nocauteado pelo corpo de seu camarada, sendo os dois esmagados pelo grandalhão com um urro de raiva ou luto.

Namir confiava em Gadren tanto quanto confiava em qualquer um, mas, às vezes, o alienígena o aterrorizava. O último stormtrooper ainda estava na rua. Namir atirou até as chamas formarem um buraco derretido na armadura dele. Namir, Charmoso e Gadren reuniram-se novamente ao redor dos corpos para avaliar seus próprios ferimentos.

A audição de Namir começou a voltar. O dano a seu capacete ia muito além da rachadura que percorria toda a extensão do visor — e ele percebeu um corte superficial na sua testa quando jogou o capacete na rua. Charmoso removia os fragmentos de estilhaços de seu colete, sem fazer qualquer reclamação.

Gadren tremia sob a chuva quente.

– Nenhum sinal de Brand? — perguntou Gadren.

Namir apenas resmungou.

Charmoso deu uma risada esquisita e soluçada antes de começar a falar. Engoliu as palavras duas, três, quatro vezes ao começar a gaguejar, como sempre fazia desde a batalha em Blacktar Cyst.

– Se continuarmos a empilhar corpos desse jeito — disse –, teremos a melhor posição estratégica da cidade.

Ele apontou para o último alvo de Namir, que tinha caído bem em cima dos corpos dos civis.

– Você é um doente, Charmoso — disse Namir, passando rudemente um braço ao redor dos ombros do companheiro.

– Sentirei sua falta quando eles derem fim a você.

Gadren resmungou e fungou atrás deles, provavelmente consternado, mas Namir preferiu entender como uma risadinha. Oficialmente, a cidade era o Centro Administrativo Haidoral I, mas os moradores a chamavam de Glitter, em homenagem às montanhas cristalinas que iluminavam o horizonte. Pela experiência de Namir, o que o Império Galáctico não nomeava para inspirar terror — legiões de stormtroopers, Estrela da Morte –, ele tentava manter o mais maçante possível. Isso não o incomodava diretamente, mas ele também não era morador de nenhum dos planetas e cidades que tinham sido renomeados.

Seis esquadrões rebeldes já haviam chegado à praça central quando a equipe de Namir os alcançou marchando. A chuva tinha se condensado em névoa, e as tendas e barracas da praça ofereciam pouco abrigo; ainda assim, homens e mulheres com armaduras esfarrapadas se espremiam nos cantos mais secos que podiam encontrar, murmurando entre si ou cuidando de pequenos ferimentos e consertando seus equipamentos danificados. Para uma comemoração de vitória, essa era bem contida. A batalha tinha sido muito longa por pouco mais que a promessa de algumas refeições.

– Parem de se admirar e façam algo de útil — ladrou Namir, sem interromper os passos. — As equipes de apoio estão precisando de uma mão, caso vocês estejam se achando bons demais para ficar dando as boas-vindas.

Ele mal notou a reação dos esquadrões a suas palavras, pois sua atenção havia se deslocado para uma mulher que emergia das sombras de um suporte para speeders. Era alta e de compleição avantajada, vestia calças puídas e uma jaqueta marrom volumosa. Carregava um rifle de precisão no ombro, e a malha blindada de uma máscara retrátil cobria seu pescoço e queixo. Sua pele estava gentilmente marcada pela idade e era de um escuro bastante intenso; o cabelo era raspado bem rente ao couro cabeludo e ela nem mesmo olhou para Namir ao se aproximar e se juntar a ele caminhando pela praça.

– Quer me dizer onde você estava? — perguntou Namir.

– Você errou a segunda equipe de fogo. Eu dei conta deles — disse Brand.

Namir manteve a voz tranquila.

– Que tal deixar uma dica na próxima vez?

– Você não precisava de distração.

Namir riu.

– Também te amo.

Brand empinou a cabeça. Se ela tivesse entendido a piada — e Namir achava que tinha –, não havia achado graça.

– E agora? — perguntou ela.

– Temos oito horas antes de irmos embora do sistema — disse Namir, parando de costas para um quiosque revirado. Ele se encostou na estrutura de metal e olhou para a névoa. — Menos, se as naves imperiais chegarem antes disso ou se as forças da governadora se reagruparem. Depois, vamos dividir os suprimentos com o restante do grupo de batalha. Provavelmente, manteremos uma ou duas naves de escolta para a Trovoada antes de os outros se separarem.

– E abandonaremos este setor para o Império — disse Brand.

Àquela altura, Charmoso tinha saído para espairecer e Gadren se juntara a Namir e Brand.

– Nós voltaremos — disse ele, com um tom firme.

– Isso — disse Namir, rindo de lado. — Algo pelo que ansiar.

Ele sabia que aquelas eram as palavras erradas no momento errado. Dezoito meses antes, a Sexagésima Primeira Infantaria Móvel da Aliança Rebelde — comumente conhecida como a Companhia do Crepúsculo — havia se juntado à investida em direção à Orla Média galáctica. A operação estava entre as maiores que a Rebelião já encampara contra o Império, envolvendo milhares de naves espaciais, centenas de grupos de batalha e dezenas de mundos.

Após a vitória da Rebelião contra a Estrela da Morte, a estação de batalha imperial que incinerava planetas, o Alto Comando acreditava que aquele era o momento certo para a Rebelião sair dos territórios longínquos do Império e ir para seus centros populosos.

A Companhia do Crepúsculo havia lutado nos desertos de fábricas de Phorsa Gedd e tomado o Palácio Ducal de Bamayar. Havia estabelecido cabeças de ponte para hovertanks rebeldes e erguido bases a partir de lonas e placas metálicas. Namir vira soldados perderem membros e sobreviverem semanas sem o tratamento adequado. Ele havia treinado equipes para construir baionetas improvisadas quando suas armas de raios estivessem quase sem energia.

Ateara fogo em cidades e vira o Império fazer o mesmo. Havia deixado amigos para trás em mundos caóticos, sabendo que nunca mais os veria outra vez. Planeta após planeta, a Crepúsculo havia combatido. Batalhas foram vencidas e batalhas foram perdidas e Namir já tinha parado de contar. A Crepúsculo permanecera na vanguarda da Aliança Rebelde, à frente da maior parte da armada, até que a ordem veio do Alto Comando há nove meses: a frota estava sobrecarregada. Não deveriam avançar mais, somente defender os territórios recém-conquistados.

Não muito tempo depois, começou o processo de recuo.

A Companhia do Crepúsculo havia se tornado a retaguarda de uma retirada em massa. Deslocou-se para mundos que havia ajudado a capturar poucos meses antes e evacuou as bases que havia construído. Extraiu os heróis e generais da Rebelião e os levou para casa. Marchou sobre os túmulos de seus próprios soldados mortos. Alguns na companhia perderam a esperança. Outros ficaram enfurecidos. Ninguém queria voltar.

Quando os civis saíram de seus esconderijos e foram para a praça, começou o recrutamento. O esquadrão do sargento Zab — o esquadrão que Namir chamara, em um momento de raiva, de “idiotas capazes de fazer falhar uma hidrochave” — havia, de alguma maneira, contrabandeado um droide astromec para o centro de vigilância da cidade.

Dali, eles haviam acessado o sistema público de endereços e transmitido a mensagem do capitão: a Companhia do Crepúsculo em breve deixaria Haidoral Prime. Aqueles em Haidoral que comungassem dos mesmos ideais de liberdade e democracia da Aliança poderiam permanecer para defender seus lares, ou poderiam se alistar na Crepúsculo para levar a luta até o inimigo.

Para ir aonde a Aliança era mais necessária. E daí por diante. O capitão gravava uma nova transmissão toda vez que a Crepúsculo queria engrossar suas fileiras, elaborada de acordo com as necessidades e as circunstâncias da população local. Para Namir, todas as mensagens soavam parecidas.

Os recrutamentos eram, tecnicamente, contra a política de segurança da Aliança Rebelde, mas eram uma tradição da Companhia do Crepúsculo e o capitão insistia que a prática continuasse. Enquanto a Rebelião fizesse a Crepúsculo viver o inferno repetidamente, e enquanto a Crepúsculo sobrevivesse, a companhia recuperaria suas perdas a partir das fileiras de voluntários. Em Haidoral Prime, sete soldados da Crepúsculo haviam morrido. Namir ainda não tinha visto seus nomes. A Crepúsculo precisava de sete novatos para contrabalançar aquelas baixas, e mais ainda para compensar aqueles que haviam morrido em outras localidades nas últimas semanas.

Dezenas de homens e mulheres foram chegando aos poucos à praça no espaço de uma hora, e eram revistados pelos “anfitriões” para ver se escondiam armas ou explosivos. Nem todos estavam lá para ser recrutados: mulheres descalças com calos nas mãos imploravam à Crepúsculo para ficar; homens corcundas e idosos suplicavam para que a companhia partisse. Um bando desorganizado de moradores da região clamava seu desejo de que a luta contra o Império fosse mantida em Haidoral — a esses eram dadas algumas poucas armas sobressalentes que a Crepúsculo tinha e eram despachados com desejos parcos de boa sorte e invocações em virtude “da causa”.

Os verdadeiros recrutas eram uma miscelânea de jovens e velhos, mimados e desesperados. Namir caminhou por entre eles, observou seus olhos e encaminhou sua avaliação para o oficial de recrutamento. Um homem barbado e lamacento que tinha o olhar de um mendigo de rua, mas o porte de um burocrata; Namir achou que ele pudesse ser um espião do Império. Uma mulher com nariz de porco olhou em volta para encontrar uma rota de fuga quando Namir casualmente trocou a arma de mãos; um projeto de criminosa que procurava uma saída fácil daquele planeta, ele pensou.

O oficial de recrutamento daquele dia — Hober, um intendente mirrado e com um joelho rangente e uma queda por jogos de cartas — recebeu as recomendações de Namir com desdém.

– Você já conhece as ordens de Uivo — disse ele.

Namir conhecia. O capitão Evon — “Uivo” quando não estava por perto — gostava de pecar pelo excesso de acolhimento. Ele e Namir já haviam conversado extensamente sobre essa política em particular.

– Apenas fique de olho — disse Namir. — Você tem que ser um tipo especial de louco para embarcar num navio que está naufragando.

Hober torceu o nariz e balançou a cabeça.

– Fale isso mais alto e poderemos arrumar nossas malas mais cedo.

Namir não falou mais alto. Um pouco de loucura nem sempre era ruim. Ainda assim, ele precisava de recrutas que pudessem ser treinados, não desertores ou matadores desengonçados.

A fila andava lentamente. Hober enchia os recrutas em potencial de perguntas, conversava sobre seus hobbies e suas famílias, assim como sua experiência prévia em combate. Hober era bom nisso; bom em julgar quem duraria mais, quem entraria em pânico e deixaria um colega morrer. Namir caminhava e procurava não se envolver demais; racionalmente, ele sabia como os recrutas se sentiam, sabia que eles seriam mais verdadeiros se estivessem relaxados.

Havia menos de três anos, ele próprio se encontrara naquela situação. Mas, naquele momento, não era capaz de ter interesse nem compaixão. Alguém na fila gritou. Namir se virou e viu três pessoas brigando. Duas delas estavam xingando e agredindo a terceira — uma garota pálida e randalhona com uma mecha de cabelo vermelho. A suposta vítima foi ao chão quatro vezes seguidas, ficou de pé novamente após cada golpe e parecia pronta para continuar na briga. Não era uma boa lutadora, mas Namir lhe deu crédito pela persistência.

Ele disparou três tiros acima do trio, deixando-as paralisadas. A garota do cabelo vermelho não devia ser mais que uma adolescente, e as outras duas pareciam só um pouco mais velhas.

– Preciso saber o que está acontecendo aqui — perguntou Namir, e, então, cortou o ar horizontalmente com a mão antes que alguém pudesse responder.

– Todos ficaremos mais felizes se disserem que não.

As três jovens balançaram as cabeças.

– Briguem na minha nave e vocês serão isoladas na salinha de manutenção até que morram de fome — disse Namir. — Não vou desperdiçar raios em vocês. Não vou gastar oxigênio prendendo vocês na antecâmara. Vocês morrerão lentamente, porque eu não me importo. Faltava a Namir tanto a crueldade quanto a autoridade para levar a cabo aquela ameaça em particular, mas as possíveis recrutas não sabiam disso. Uma das mais velhas hesitou, então se virou e saiu andando. As outras duas baixaram a cabeça.

– Quantos anos você tem? — perguntou Namir à moça do cabelo vermelho.

– Vinte — respondeu ela, erguendo a cabeça novamente.

Aquilo não parecia ser verdade, mas não havia tempo para ficar verificando o histórico de ninguém. Além de que ela também não seria a primeira jovem de dezesseis anos a se alistar na Aliança.

Namir virou-se e acenou com a cabeça para Hober, demonstrando sua aprovação. O velho intendente olhou um tanto cético. Namir ficou imaginando se ele iria admitir a garota na tropa dos novatos da Crepúsculo, mas ele suspeitava que Hober o faria contra a própria vontade. Não era uma questão de ser acolhedor. Naqueles tempos, a Companhia do Crepúsculo não podia se dar ao luxo de ficar escolhendo. Após três horas de recrutamento, chegaram ordens solicitando o esquadrão de Namir do lado de fora da mansão da governadora. Era uma distração muito bem-vinda. A Crepúsculo havia interditado a mansão durante o primeiro dia de batalhas.

O complexo, com múltiplas fileiras de domos, ficava nos arredores da cidade, desnecessariamente longe do centro de controle imperial, mas oferecia uma vista impressionante das montanhas cristalinas. Após as desavenças iniciais, o capitão Uivo havia solicitado meia dúzia de esquadrões rebeldes aquartelados ao redor do perímetro, a poucos passos da muralha exterior queimada, mas intacta. Ainda não haviam tentado invadir o complexo, mas com os ocupantes contidos, a mansão em si parecia estrategicamente insignificante.

Desde então, a situação tinha evoluído.

– Um droide rato rolou para fora através de uma entrada lateral há meia hora — disse o sargento Fektrin. — Imaginamos que estivesse equipado para explodir, porém estava limpo. Carregava uma mensagem escrita de um “simpatizante rebelde” de dentro da mansão. Namir, Gadren, Charmoso e Brand posicionaram-se do outro lado do muro da mansão. Os outros checaram novamente seus equipamentos enquanto Namir e Fektrin conversavam. De tempos em tempos, uma das janelas da mansão abria, cuspia uma sequência de raios de partícula vermelha na rua e se fechava outra vez. A equipe de Fektrin mal parecia notar.

– O que dizia a mensagem? — perguntou Namir.

– Que os homens da governadora Chalis estão mantendo soldados rebeldes como prisioneiros lá dentro. Nosso informante anônimo, e estas foram as palavras dele, “teme pela segurança deles”.

Namir cuspiu na rua e observou sua saliva fervilhar onde os raios a atingiam.

– Eles sabem que mantemos a conta dos nossos soldados, certo? Ou acham que somos tão estúpidos?

– Eu disse a Uivo a mesma coisa — disse Fektrin –, mais ou menos. — As marcas em seu rosto se enrugavam de desconforto e as gavinhas que pendiam de suas bochechas e queixo pareciam se curvar. Namir entendia aquelas gavinhas como uma espécie de barba, embora nunca tivesse perguntado se elas também estavam presentes nas mulheres da espécie de Fektrin. — Mas o capitão está preocupado que a governadora tenha capturado alguns habitantes locais. Quer que verifiquemos.

– Além do mais — continuou Fektrin –, se for uma armadilha, então qual é o sentido? Perdemos um esquadrão lá, não perdemos a guerra exatamente. Namir encarou Fektrin com extremo ceticismo e disse:

– Então a teoria do capitão é a de que ele tem a liberdade para apostar nossas vidas, mesmo com mínimas chances de sobrevivência, para salvar alguns civis. — As gavinhas de Fektrin tremelicaram, mas Namir continuou falando.

– Eu entendi direito?

Gadren fez cara de reprovação. Fektrin continuava calmo. Namir nunca tinha visto Fektrin sorrir, mas o alienígena tinha o senso de humor de um zumbi.

– Você quer reclamar com Uivo pessoalmente? — perguntou Fektrin.

Namir xingou e ladrou uma risada irônica.

– Tudo bem — disse ele. — Mas, se morrermos, vamos levar a mansão toda conosco.

Charmoso bolou a tática de abordagem do esquadrão. Escalar o muro e cercar a entrada principal atrairia muito fogo inimigo. Fektrin prepararia um ataque direto, que seria realizado só em último caso. Em vez disso, Namir, Brand e Charmoso dirigiram-se ao jardim do telhado de uma das residências vizinhas. Os moradores foram mais que solícitos depois de Namir fazer três buracos com arma de raios em seu droide de guarda, e ficaram bem longe dali enquanto Charmoso preparava a arma magnética de ganchos em uma das floreiras. Brand observava a mansão da governadora pelas lentes de sua máscara de combate. Ao comando dela, Charmoso disparou a arma e lançou a pequena âncora através da chuva que voltava a cair. Ela atingiu o muro adjacente a uma das varandas mais baixas da mansão, fincou-se ali e esticou a corda bem firme.

Namir atravessou a fresta primeiro, deslizando pela corda e aterrissando abruptamente na pedra úmida. Charmoso veio em seguida, e Brand por último. Brand cortou a corda com uma faca curva que tirou da jaqueta. A lâmina fez um som suave de eletricidade.

– Onde você conseguiu isso? — perguntou Namir.

– Confisquei — disse Brand.

Namir olhou para Charmoso, que puxou o bastão de atordoamento de seu cinto e estendeu o cassetete, que parecia que iria se partir em dois com um pouco de esforço. Ele o entregou a Namir, que balançou a cabeça até que Charmoso colocou a arma diretamente em sua mão.

– Tenho minha própria faca — disse Charmoso, forçando as palavras em meio à sua gagueira. — E você precisa de uma vantagem.

Namir resmungou, mas não discutiu. Era verdade que ele não era um homem muito alto.

– Vamos avançar — disse ele, tocando o comlink. — Se ouvirirem gritos, já sabem o que fazer.

A voz grave de Gadren surgiu em meio à estática.

– Vou chorar no funeral de vocês, e depois do luto vou requisitar um gancho que possa suportar meu peso. Muitas vidas serão salvas no futuro.

– Esse é o espírito — disse Namir.

Juntos, os três partiram em direção à mansão. Os cômodos eram escuros e espaçosos, bem no estilo imperial, mobiliados com carpetes luxuosos e aparelhos holográficos cintilantes que giravam e pulsavam a cada movimento do esquadrão. Namir guiou o grupo através de suítes interligadas até um corredor alto e estreito, entalhado em cristal da montanha. Lá, bustos e estatuetas de bronze ficavam em nichos nas paredes.

Namir não reconhecia a maioria das figuras. Quase todos os homens e mulheres nas estatuetas usavam uniformes militares do Império ou robes de Estado. Um busto de um ancião com bochechas que pareciam cera derretida e com cabelo ralo assemelhava-se ao imperador galáctico — Namir já o vira em vídeos de propaganda rebeldes. Uma figura com chifres poderia bem ser o velho vizir do imperador. Namir puxou pela memória o nome dele: Mas Amedda.

Charmoso e Brand pareciam mais familiarizados com aqueles sujeitos.

Charmoso escarneceu um homem de meia-idade cujos olhos alienígenas bulbosos incrustavam-se num rosto humano e cujo pescoço era envolvido por um grosso colar metálico. O colar circular dava ao busto a aparência de um vaso de plantas grotesco. Brand parou diante da recriação de um capacete com curvas e ângulos disformes e olhos de esqueleto.

– Você o conhece? — perguntou Namir.

– Não pessoalmente — disse Brand.

– Darth Vader — disse Charmoso, sem gaguejar.

O sicário pessoal do imperador galáctico: perseguidor da Aliança Rebelde, nascido das brasas das Guerras Clônicas, realizador de todos os horrores e atrocidades conhecidos pela civilização. Pelo menos, essas eram as histórias.

– Muito bem — sussurrou Namir. — Podemos seguir em frente?

Para a surpresa de Namir, Brand olhou para ele e falou com um tom baixo e sombrio.

– Você deveria conhecer essas pessoas — disse ela. — Darth Vader. General Tulia. Conde Vidian. Olhe para os rostos deles e memorize todos. Namir retribuiu o olhar, a frieza e a tranquilidade de Brand. Brand não se conformava.

– Já entendi — disse Namir suavemente. — Entendi mesmo.

– Não entendeu, não — disse Brand, e começou a andar novamente. Charmoso, três passos à frente, gesticulou diante da escada no fim do corredor. Dois dedos levantados, e o polegar cruzando a palma da mão. Dois guardas posicionados no alto da escada, sendo que um estava patrulhando.

Brand foi primeiro. Em seus momentos mais difíceis, Namir invejava a capacidade da mulher para ser furtiva — mas não hoje, não quando suas própriasbotas encharcadas guinchavam como ratos no piso encerado. Ele a seguiu, apertando o bastão de atordoamento com mais força, com Charmoso tão perto atrás dele que dava para sentir o calor corporal do cara.

E eles subiram as escadas. Dois guardas, nenhum deles com a armadura completa. Seguranças locais. Brand saiu da boca da escada e Namir ouviu o chiado da faca eletrificada quando ela atingiu o primeiro alvo. Namir avançou com o corpo abaixado, procurando a patrulha. Charmoso saberia como abater o segundo guarda atrás dele.

O sentinela da patrulha estava a menos de 5 metros de distância, e Namir sentiu seu estômago se revirar quando eles se entreolharam. Era um stormtrooper imperial. O trooper ainda estava se virando para encará-lo — Namir teve tempo de chegar mais perto –, mas o bastão de atordoamento seria inútil contra aquela armadura branca.

Ele deveria ter pedido emprestada a faca de Brand quando teve a chance. Namir levantou o ombro ao partir para o ataque; ele deu uma pancada no stormtrooper e o fez girar de frente para a escada. Agora, nas costas do trooper, agarrou-se à superfície fria da armadura e tentou prender os braços do homem, para evitar que fosse disparado um único tiro de sua arma de raios. Caso isso acontecesse, o barulho alertaria a mansão inteira, e a tentativa deles de se manterem furtivos estaria comprometida.

O stormtrooper reagiu com agilidade e precisão. Ele jogou a cabeça para trás e esfolou o couro cabeludo de Namir, onde seu capacete abandonado deveria tê-lo protegido. Se Namir estivesse com o tronco ereto em vez de com joelhos flexionados, o golpe o teria acertado entre os olhos. Depois de alguns instantes, ele sentiu o cheiro de metal e plastoide queimados, e o stormtrooper perdeu a força nas pernas assim que Brand torceu sua faca por baixo do capacete dele.

Namir tentou guiar o corpo deslizando-o até o chão, mas o som do contato da armadura com o piso fez mais barulho do que o previsto. Charmoso ficou parado entre os dois guardas, ambos mortos no chão. Brand já tinha limpado sua faca quando Namir disse:

– Vamos andando.

A mensagem alertando a Crepúsculo sobre os reféns da governadora tinha como anexo um mapa superficial da mansão. O corredor em que a equipe se encontrava estava agora, pelas estimativas de Namir, a menos de 50 metros do suposto cativeiro. Se houvesse uma emboscada, eles cairiam nela em breve.

Namir apalpou rapidamente o fuzil que estava pendurado em suas costas, confirmando se ele não tinha, de alguma maneira, perdido a reconfortante arma durante a briga. Eles só permaneceriam furtivos até um pedaço da missão, portanto ele queria estar preparado para qualquer contratempo. Charmoso assumiu a liderança em seguida. Namir não o reprimiu — de alguma forma, Charmoso sempre serpenteava até a dianteira quando havia uma emboscada iminente, por razões que Namir não compreendia e não queria questionar. Perder parte do rosto não havia feito Charmoso largar esse hábito. Namir certamente não seria capaz disso.

Adiante, caminharam por uma passagem espremida até uma despensa cheia de suprimentos que tinham um cheiro cítrico. Namir presumiu que o odor fosse artificial até ver que havia frutas — frutas de verdade — casualmente estocadas com o resto das infindáveis riquezas da governadora; ele inspirou longamente, deliciando-se com o aroma, e, então, sacudiu a cabeça para se desligar da distração.

Depois da despensa, havia uma cozinha suntuosa, metálica e cheia de droides com membros longos conectados em suas estações de energia. Charmoso parou em frente à porta estreita que levava mais adiante mansão adentro e deu de ombros. O mapa indicava que os reféns estavam no cômodo seguinte. Namir olhou para Brand enquanto ela se posicionava do lado oposto ao que estava Charmoso.

– Se alguém guardou uma granada de luz — disse Namir –, agora é a hora de se manifestar.

Ninguém o fez.

“Muito bem”, Namir pensou. “Nenhuma bomba de fumaça, nem de luz. Invadiremos à moda antiga.”

Isso não o incomodava. A moda antiga era a que ele conhecia melhor. Ele encaixou o bastão de atordoamento em seu cinto e tomou o fuzil nas mãos. Charmoso e Brand o imitaram. Namir acenou com a cabeça; Charmoso apertou o teclado numérico da porta e eles invadiram o local juntos.

O que encontraram foi um salão de jantar — ou o que havia sido um salão de jantar, e agora estava tão cheio de impressões, holointerfaces, mapas e telas portáteis que mais lembrava o interior do crânio de um burocrata. No meio das estações de trabalho improvisadas estava meia dúzia de soldados do Exército Imperial — sem os quepes e com uma expressão exausta no rosto; o suor manchava seus uniformes pretos — que estavam tão entretidos em seu trabalho que levaram meio segundo antes de olhar para frente e ver Namir e seu esquadrão. Namir mirou no primeiro deles que tentou sacar sua arma reserva — um coronel de nariz afilado que vinha caminhando ao lado da mesa de jantar — e observou o resto do grupo hesitar. Brand e Charmoso gesticulavam com seus fuzis em arcos perfeitos enquanto Namir mantinha o olhar fixo no coronel.

– Prisioneiros — disse ele. — Onde estão eles?

– Que prisioneiros? — perguntou o coronel.

Os músculos de Namir estavam retesados. Ele manteve a voz calma.

– Aqueles que vocês capturaram — disse ele. — Ou aqueles que vocês alegaram ter capturado.

– Não tenho ideia do que você está falando — disse o coronel. A mão direita dele começou a chegar perto do cinto. Namir empinou a cabeça. O coronel congelou novamente.

– Ele não sabe mesmo — uma voz respondeu, quente e ressonante, no salão de jantar. Namir queria virar-se e olhar para quem falava, mas desviar a atenção do coronel significaria a morte. Ele manteve o fuzil apontado, endureceu o corpo virado para seu oponente e confiou que Brand e Charmoso tomassem conta do restante da sala.

A nova interlocutora lentamente entrou em seu campo de visão periférica. Ela veio surgindo de uma das entradas laterais do salão, uma mulher humana cujo semblante de pele morena era enrugado na medida certa para dar seriedade a um rosto outrora jovem. O cabelo negro era entremeado com fios cinza e brancos, e ela usava um terno escuro e formal, adornado com vermelho e fechado com botões prateados. Em contraste com o terno obviamente caro, carregava pendurada no ombro uma bolsa de lona desgastada e manchada — do jeito que um soldado rebelde ou um vagabundo carregaria.

– Eu sou a refém aqui — disse ela, com um desdém genuíno. — O fato de que o coronel não perceber isso…

Conforme a mulher falava, ela deixou a bolsa de lona deslizar do ombro direito e cair ruidosamente no chão. As palavras continuaram sendo faladas naquele mesmo tom maçante quando, assim que a bolsa caiu, ela sacou uma pistola de raios do bolso esquerdo.

– … mostra quão pouco ele presta atenção.

A arma de raios liberou uma luz vermelha e o homem sob a mira de Namir caiu sobre a mesa de jantar, com um buraco flamejante entre as escápulas. Namir não soube ao certo quem atirou em seguida. O som de um raio se fundia ao outro e ao próximo. Ele caiu de joelhos, girou para avistar um alvo, viu um soldado com alguma coisa nas mãos — talvez uma arma, talvez um comlink — e atirou nele. Estilhaços de pedra caíram sobre o cabelo de Namir quando alguém explodiu a parede acima de sua cabeça.

Ele cambaleou à frente, encontrou refúgio debaixo da mesa, esticou-se todo por cima dela e começou a disparar freneticamente. As pernas do coronel morto ofuscavam sua visão do outro lado da sala. Os raios diminuíram. Ele rolou debaixo da mesa e descarregou uma saraivada no primeiro casaco preto que viu pela frente.

Depois disso, sobrou apenas um oficial. Namir, de início, não compreendeu onde ele estava mirando — o homem havia recuado para um canto e sua arma estava baixa, apontada para o chão. Então viu a pilha aos pés do oficial. Charmoso estava de joelhos no chão, gemendo de dor, com as duas mãos sobre um lado dos quadris.Namir começou a apontar o fuzil na direção do oficial, mas a mulher de terno o matou primeiro, com um rosnado e um disparo certeiro da arma de raios em sua mão. Namir a ignorou e correu até Charmoso. Gentilmente, ele afastou as mãos de Charmoso e examinou o lado direito de seu quadril. O material da calça tinha um furo chamuscado, as fibras se fundiam com a pele escurecida. A ferida não era fatal, mas com certeza doía muito e Charmoso não conseguiria sair andando dali. Namir mostrou os dentes no que ele esperava que parecesse um sorriso brincalhão.

– Pare de gemer — disse. — Já está cauterizado. Quer colocar um curativo também?

Charmoso deu uma risada rouca e resmungou algum palavrão qualquer. Brand, metodicamente, verificou cada porta até o salão de jantar enquanto Namir ficava de pé e olhava para a mulher que alegava ser a “refém”. Ela estava de pé ao lado da mesa de jantar, despejando água de um jarro sobre as mãos como se quisesse limpá-las — não de sangue, como Namir pensou, mas de terra ressecada, igual a argila. A arma dela estava apoiada ao lado do jarro.

– Quem é você? — perguntou ele.

A mulher mal olhou para Namir enquanto enxugava as mãos nos quadris.

– Meu nome é Everi Chalis — respondeu ela. — Governadora de Haidoral Prime, emissária do Conselho Executivo Imperial, e, é claro… — Aqui o lábio dela retorceu, como se estivesse contando uma piada interna. — … artista residente local.

Ela começou a caminhar por entre os corpos, empurrando cada um deles com o bico da bota, como que para confirmar se estavam mortos de fato. — Declarar-me uma refém talvez tenha sido um exagero de minha parte– ela prosseguiu –, mas eu precisava da sua atenção. Quando chegou perto do coronel, ainda esparramado sobre a mesa, ela se debruçou bem perto dele, içou sua cabeça e cuspiu-lhe entre os olhos irreconhecíveis.

– Que bom que você é leal ao seu pessoal — disse Namir, lenta e cautelosamente. Quando Chalis se virou, ele estava apontado o fuzil para o peito dela.

Ela não parecia incomodada.

– Eles não eram meus — ela disse ironicamente. — Meu pessoal (meus conselheiros, meus guarda-costas, meu chef ) foi tirado de mim há meses. Esses homens estavam aqui para me policiar sob o comando do imperador. Charmoso estava tentando gaguejar alguma coisa; Namir apenas distinguiu a palavra chef. Brand olhou para Namir de uma porta lateral e, então, para a governadora.

– Atire nela — disse ela. — Haidoral merece isso.

Namir fez uma carranca. As peças estavam se juntando, e, de repente, ele sentiu o peso dos dias que passara sem dormir direito e das trinta horas de batalha.

– Por que você precisava da nossa atenção? — perguntou.

– Graças à Rebelião, meus dias com o imperador estão contados. — A governadora sorriu, mas seu tom era ácido. — Eu soube que vocês estão recrutando. Quero me juntar à companhia em troca de asilo.

Namir empunhou o fuzil, olhando pela mira. Ele se perguntou quantos outros guardas haveria na mansão e quanto tempo teria antes que aparecessem. Tentou calcular quanto a lesão de Charmoso atrasaria o evacuamento do esquadrão. Ele não tinha tempo para analisar as mentiras em andamento. Então ouviu-se um chilreio elétrico e um clarão oscilante de luz azul. Os lábios da governadora se separaram, mas ela não disse nada. Seus membros enrijeceram e ela caiu no chão ao lado da bolsa.

Namir virou abruptamente. De pé, em frente à última porta não vistoriada, estava Gadren, segurando a arma com dois braços e apontando o cano na direção em que a governadora estava. A respiração dele estava ofegante, com seus ombros enormes subindo e descendo. — Perdemos contato — disse ele. — Achei que estivessem em apuros. Fico feliz em ver que exagerei.

Brand observou a governadora caída.

– Ela ainda está respirando — disse ela. — Por que deu um tiro de atordoamento?

Gadren arrastou-se até o lado de Charmoso, parando para avaliar os ferimentos do homem cheio de cicatrizes antes de levantá-lo gentilmente do chão e segurá-lo no colo. Gadren voltou a falar só quando Charmoso já estava seguro.

– Temi pelos reféns. Um tiro de raio poderia ter matado um deles.

– Nenhum refém — disse Brand.

Gadren acenou com a cabeça, indicando não ter compreendido, mas reconhecendo que aquele não era o momento para perguntas.

Namir seguiu até a governadora e verificou o corpo. Ela estava respirando constantemente. Nenhum espasmo, nenhum sufocamento, nenhum batimento cardíaco irregular. Tiros de atordoamento não eram muito confiáveis, mas aquele ali parecia ter cumprido sua função. O que significava que a governadora ainda era problema dele.

– Vamos amarrá-la e levá-la para o Uivo. — Ele acenou para Gadren. — Isso se tiver espaço para mais um. Não precisa ser muito cuidadoso.

Gadren agarrou rudemente a governadora pelo colarinho e a jogou sobre um dos ombros, usando uma das mãos para manter o corpo equilibrado. Namir se perguntou se Brand iria reclamar, mas ela já estava pegando a bolsa da governadora quando disse:

– Dizem que sequestrar um imperial dá azar. Namir não conseguiu entender se ela estava brincando.

– Homens maus atraem má sorte — ele replicou. Era um ditado que ele aprendera há muito tempo, em um mundo mais primitivo. — Agora podemos dar o fora deste planeta?

Ele estava pronto para se livrar de toda aquela chuva. Pronto para dormir. Pronto para esquecer as pilhas de cadáveres de civis e a suntuosa mansão cheia de frutas aromáticas e bustos em homenagem a assassinos. O ataque a Haidoral Prime não tinha sido um fracasso, mas fora repleto de problemas. Agora ele levaria um desses problemas para casa.


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